Alunos pensantes ou obedientes? Adunesp repudiou escolas cívico-miliares em audiência pública na Câmara de Bauru

Alunos pensantes ou obedientes? Adunesp repudiou escolas cívico-miliares em audiência pública na Câmara de Bauru

A Adunesp esteve presente na audiência pública virtual promovida pela Câmara Municipal de Bauru em 13/5/2021, por iniciativa da vereadora Estela Almagro (PT), para discutir a implementação do projeto de escolas cívico-militares no município.

Além da Adunesp, participaram representantes de várias entidades, como a Apeoesp, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinserm), o Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP), o Sindicato de Supervisores de Ensino de São Paulo (APASE), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), entre outras, além de profissionais da educação e estudantes. A Adunesp foi representada pela professora Juliana Pasqualini. Os deputados estaduais Professora Bebel (PT) e Carlos Giannazi (PSOL) também compareceram, além de vários vereadores. Convocada para o encontro, a prefeita Suéllen Rosim (Patriota) justificou a ausência por ofício. A secretária municipal de Educação, Maria do Carmo Kobayashi, informou que participaria como ouvinte, como parte do processo para fundamentar a tomada de decisão sobre o projeto que, segundo ela, ainda está em fase de análise.

O anúncio de que a cidade Bauru teria sido “contemplada” com a criação de uma escola cívico-militar foi feita no dia 15/2, pela prefeita e pelos ministros Milton Ribeiro (Educação) e Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações). De acordo com o Ministério da Educação, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares se dá em parceria com o Ministério da Defesa e propõe um “conceito de gestão nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa com a participação do corpo docente da escola e apoio dos militares”. A proposta é implantar 216 escolas deste tipo em todo o país, até 2023, sendo 54 por ano.

Escola do medo

Contrária ao projeto, a deputada Bebel, que também é presidente estadual da Apeoesp, opinou que o projeto corresponde à tentativa de “homogeneizar as ideias, tirando a capacidade autocrítica dos alunos”.

O deputado Giannazi, por sua vez, classificou-o de “autoritário e excludente”, oposto à formação do aluno para que exerça sua cidadania de forma ativa na sociedade.

Seguiram-se várias manifestações, todas contrárias ao projeto. Falando em nome da Adunesp, a professora Juliana Pasqualini leu documento com a posição da entidade. Ela pontuou que as ciências humanas acumulam fartas evidências de que a manipulação pelo medo não é um modelo pedagógico adequado e tem efeitos deletérios sobre a formação da personalidade.

“O que precisamos para enfrentar os problemas da educação são melhores condições de infraestrutura, melhores condições trabalhistas, articulação e apoio de políticas públicas de outros setores, e não de regras disciplinares mais duras”, destacou.

A seguir, confira a carta divulgada pela Adunesp na audiência pública:

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“Não à militarização das escolas!

Participação da Adunesp – Sindicato Bauru na Audiência Pública na Câmara Municipal, em 13 de maio de 2021

A Adunesp, sindicato dos docentes da Unesp, cuja fundação remonta ao ano de 1976, acumulando, portanto, mais de quatro décadas de história de atuação em defesa da educação pública, e participante desta audiência pública como subsede vinculada ao campus Bauru da universidade, vem posicionar-se de forma aberta e veementemente contrária ao projeto de implementação de escolas cívico-militares neste município.

A perspectiva de introduzir um caráter militarizado em instituições escolares fere seu caráter público e se pretende sustentada em uma premissa falsa, qual seja, a falsa noção de que os problemas da educação e da sociedade têm como raiz a falta de obediência das pessoas às figuras de autoridade.

O valor fundamental que estrutura o projeto de educação da doutrina militar é a obediência. Obediência a regras, obediência ao uniforme, obediência à farda, obediência aos superiores hierárquicos. Escolas marcadas pela hierarquia e pela submissão à hierarquia: esse é o projeto de educação em questão.

Um país verdadeiramente desenvolvido não se constrói por pessoas obedientes, e sim por pessoas pensantes. O nazismo se fez à base da obediência à hierarquia. Os carrascos nazistas, quando levados a julgamento, justificavam seus atos afirmando que estavam obedecendo ordens.

Precisamos de sujeitos que orientem sua conduta no mundo por regras, valores e princípios, não porque sejam estes impostos por figuras de autoridades, não pelo medo da punição, mas por entender o sentido das regras, por concordar com a importância dos princípios, por assimilar para si os valores.

Precisamos formar nossos jovens para que sejam sujeitos de pensamento, de consciência crítica e de coragem. Coragem, inclusive, para questionar a hierarquia e desobedecer quando a ordem é desumana.

Padronizar cortes de cabelo dos nossos meninos e meninas é, sem sombra de dúvida, um ato que afastará a juventude da escola. Que fique claro, então, que o projeto é esse mesmo: afastar os supostos desviantes, livrar-se dos supostamente problemáticos. Que pseudo-tranquilidade trabalhar numa escola em que os alunos têm medo de questionar... A escola militar é a escola do medo. Queremos a escola do pensamento, da criatividade, da dúvida, do movimento, da vida, da liberdade.

Queremos, sim, a disciplina. Mas a disciplina do estudo. A disciplina mobilizada pelo sentido que os nossos jovens possam encontrar em se apropriar da ciência, da arte e da filosofia para entender o mundo. Não a disciplina do medo e do controle.

Queremos, sim, o respeito. Mas o respeito que nasce da admiração que os nossos jovens possam ter por seus professores e por tudo aquilo que ensinam. Não o respeito imposto, obrigatório, e que só dura enquanto a figura de autoridade está presente. Ou alguém desconhece o princípio de que quando os gatos saem, os ratos fazem a festa? É exatamente assim que funciona a sociabilidade regulada pela coerção. As ciências humanas acumulam fartas evidências de que a manipulação pelo medo não é um modelo pedagógico adequado e tem efeitos deletérios sobre a formação da personalidade.

O que precisamos para enfrentar os problemas da Educação são melhores condições de infraestrutura, melhores condições trabalhistas, articulação e apoio de políticas públicas de outros setores, e não de regras disciplinares mais duras. Aliás, quem foi que disse que a indisciplina é um problema em nossas escolas municipais dos anos finais do Ensino Fundamental? Onde estão os dados concretos que justificam a proposição do projeto de militarização? Ao que parece, tentam nos impor um modelo para supostamente resolver problemas que nem se consegue demonstrar que efetivamente existam.

O Exército tem o seu papel a cumprir no país, e esse papel não é o de interferir na educação das novas gerações. Para pensar a Educação, temos os profissionais da Educação, que têm formação teórica, científica para dar tratamento aos problemas educacionais. A carreira militar não prepara e não habilita ninguém a intervir na esfera da Educação, seja em âmbito pedagógico, seja no âmbito da gestão. Nós, profissionais da Educação, pedagogos, licenciados, pesquisadores, mestres, doutores, pós-doutores, não nos arvoramos a debater como gerir o cotidiano dos quartéis. Cada um no seu quadrado. A Educação é o NOSSO quadrado.”