Artigo - Privatização da SABESP e redução do orçamento em educação no estado de São Paulo: Debates com direcionamentos equivocados

Artigo - Privatização da SABESP e redução do orçamento em educação no estado de São Paulo: Debates com direcionamentos equivocados

Por Augusto Massayuki Tsutiya, procurador federal aposentado, ex-docente da Unesp, é autor das seguintes obras: ‘Direito Ambiental Quântico’ e ‘Curso de Direito da Seguridade Social’

Tendo em vista que fui docente da UNESP e membro da diretoria da ADUNESP-Central, tenho acompanhado os embates travados pela entidade sindical.

Dentre outras, duas questões postas pelo governo Tarcísio: (1) a redução do orçamento da Educação de 30% para 25% e (2) privatização da SABESP prometem passar um rolo compressor sobre os direitos do povo paulista.

Como são duas áreas em que me atuei (Seguridade Social e Direito Ambiental), não poderia me furtar em apresentar minha contribuição ao debate, com intuito de afastar o desastre social que advirão das medidas encetadas por este governo neoliberal.

Tanto a redução de verbas da Educação, quanto a privatização da SABESP focam em premissas equivocadas, de quem não conhece o sistema de financiamento da Saúde e tampouco a questão da água, que é o âmbito da atuação da SABESP.

 

(1) REDUÇÃO DAS VERBAS DA EDUCAÇÃO

A proposta de emenda constitucional (PEC) 9/2023, que pretende alterar a Constituição paulista e reduzir os investimentos públicos em educação de 30% para 25% do orçamento estadual. De acordo com os valores de hoje, isso corresponde a até R$ 10 bilhões por ano a menos para a educação.

O que o governo neoliberal da dupla Tarcísio/Ramuth quer demonstrar que há insuficiência de recursos para financiar a Saúde no Estado de São Paulo. 

Para entender o sistema em que a Saúde está inserido há que analisar a Seguridade Social instituído pelo artigo 194 da CF-88. 

“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

Os Constituintes de 1988 criaram um sistema denominado SEGURIDADE SOCIAL, composto de SAÚDE, PREVIDÊNCIA SOCIAL e ASSISTÊNCIA SOCIAL.

Mais do que isso, criaram um sistema de financiamento da SEGURIDADE SOCIAL próprio(art.195), para fazer frente as despesas decorrentes do sistema criado. 

O art. 195 da Constituição brasileira estabelece que a seguridade social será custeada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: a) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; a receita ou o faturamento; o lucro; b) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social; c) sobre a receita de concursos de prognósticos; e d) do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

Atualmente, no tocante às contribuições previstas no art. 195 da Constituição Federal, o custeio da seguridade social é disciplinado pela Lei nº 8.212/1991 e regulamentado pelo Decreto nº 3.048/1999.

Além dessas bases de custeio diretamente previstas na Constituição, lei complementar federal poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social. É importante salientar que, segundo a Lei Maior, nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Constituição brasileira estabelece princípios importantes que norteiam a definição do custeio das atividades de saúde, previdência social e assistência social, merecendo destaque os seguintes: a) equidade na forma de participação no custeio – cada pessoa deve contribuir para a seguridade social de acordo com a sua capacidade contributiva, de maneira que a repartição dos gastos seja de forma justa; b) diversidade da base de financiamento – as receitas da seguridade social devem ser arrecadadas de várias fontes pagadoras, não ficando adstrita a contribuições dos trabalhadores e dos empregadores; e c) orçamento específico para a seguridade social – a lei orçamentária anual de cada ente federativo deve contemplar um orçamento específico para a seguridade social.

Contudo, é possível a substituição gradual, total ou parcial, das contribuições das empresas, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, pelas contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento, desde que seja observado o princípio da não-cumulatividade, conforme estabelece o § 12 e o § 13 do art. 195 da Constituição Federal. Isso seria uma forma de desonerar a folha de pagamento das empresas, reduzindo os encargos sobre o trabalho formal, o que poderia aumentar a inclusão previdenciária, desde que sejam mantidos os recursos necessários para o custeio da previdência social.

Algumas leis já foram promulgadas, com a finalidade de promover a desoneração da folha de pagamento, substituindo as contribuições incidentes sobre a remuneração do trabalho por contribuições incidentes sobre o faturamento da empresa, para alguns segmentos econômicos. No entanto, a base de custeio da previdência social continua sendo as contribuições das empresas, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho.

As empresas geralmente pagam vinte por cento sobre o total da remuneração devida aos trabalhadores, além de outras contribuições adicionais para financiar os benefícios previdenciários de natureza acidentária e os demais riscos ambientais do trabalho.

O Congresso Nacional aprovou a desoneração da folha de pagamento que seria prorrogada até 2027 e estendida a prefeituras, o que reduziria a contribuição previdenciária de municípios.

A desoneração custará R$ 9,4 bilhões ao ano. A política foi implementada em 2011 como medida temporária, mas vinha sendo prorrogada desde então.

Ao vetar a desoneração da folha, Lula seguiu a orientação dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, que veem a proposta como inconstitucional por criar renúncia de despesa sem demonstrar o impacto orçamentário.

O Congresso Nacional, dominada pelo CENTRÃO, em que o partido do Governador Tarcísio compõe a sua base, movimenta-se para derrubar o veto presidencial.

O argumento principal é que a referida desoneração garantirá a criação de novos postos de trabalho, que deverá gerar aumento na arrecadação das contribuições sociais.

Argumento esse indefensável, haja vista que o estoque da dívida ativa dessas empresas vem demonstrar que não há intenção de quitar as contribuições sociais. E mais ainda, o que é muito grave, muitas empresas recolhem a contribuição dos empregados e não repassam para o Fisco.

Ademais, o financiamento do sistema de seguridade social permite a criação de novos tributos para fazer frente a demanda crescente por recursos.

Assim, para o equilíbrio do sistema de saúde do Estado de São Paulo é urgente que o governador faça gestão junto a sua base no Congresso Nacional para manter integralmente o veto do Presidente Lula.

E se isto não for suficiente, lutar para o aumento de recursos, por exemplo-via criação de novo tributo, que pode ser por lei complementar.

Só após estas providências se pode pensar em medidas internas para sanar o déficit da saúde. 

         

(2) PRIVATIZAÇÃO DA SABESP

Já se encontra na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o projeto de privatização da Companhia do Saneamento Básico de São Paulo- SABESP, em regime de urgência. Isso com intuito de dificultar os debates com a sociedade, lídimo titular da empresa em comento.

Com intuito de contribuir com os debates apresento a presente contribuição, que, na minha opinião, não pode se restringir somente aos aspectos econômicos e contábeis de forma a agradar os acionistas das Bolsas de Ações, mormente as de Nova York, em que a SABESP negocia seus títulos. Muito além disto, há uma questão que estrategicamente foi negligenciada.

A matéria prima (a ÁGUA) encontra-se no cerne da discussão da privatização da SABESP. Como se trata de recurso natural, além da questão dos aspectos contábeis da sua exploração e distribuição, mormente se a iniciativa privada ou a SABESP são mais eficientes para fornecer o serviço, há que se debater a QUESTÃO AMBIENTAL, que é sempre negligenciada nas privatizações.

Na minha opinião os debates devem ser fulcradas na citada questão, no instante que o mundo se depara com as mudanças climáticas decorrentes do descuido com a questão ambiental, que vai muito além da utilização dos combustíveis fósseis e a queimada das florestas tropicais, mormente a floresta Amazônica.

Os fundamentos do Direito Constitucional Ambiental foram objeto de estudos na obra de minha autoria: DIREITO AMBIENTAL QUÂNTICO (2023, Editora Lumen Juris-RJ). Neste item são apresentadas algumas conclusões que são detalhadas na obra citada.

A doutrina é unânime em apontar a ESTOCOLMO-72, onde foi concebida a tese do Ecodesenvolvimento, em que o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental não são incompatíveis, mas, ao contrário, são interdependentes. Essa tese culminou com a proposição do Desenvolvimento Sustentável que se consolida no Relatório Burtdland- Our Common Future-, de 1987, segundo o qual o Desenvolvimento deve ser medido pela eficiência econômica, equilíbrio ambiental e também pela equidade social.

O Desenvolvimento Sustentável, por sua vez, está na base em que foi erigida a Economia Ecológica, estruturada com base no pensamento do economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (G-R), que propõe uma mudança de paradigma, ao invés do paradigma newtoniano, o paradigma carnotiano. Ao invés da Mecânica newtoniana a Termodinâmica de Sadi Carnot.

       O Desenvolvimento Sustentável é, em verdade, Desenvolvimento (Ecologicamente) Sustentável. O que coloca a preservação ecológica na base do citado instituto.

O artigo 225 da Constituição Federal adotou tal entendimento, haja vista que as citações da palavra Ecologia e seus derivados (ecológico, ecossistêmica...) são abundantes. O que se pressupõe a ecologização do Direito Ambiental Constitucional brasileiro.

O pensamento de G-R e de seu discípulo Herman Daly, pode ser sintetizado na seguinte frase: “A economia é um subsistema do ecossistema.”

No modelo de G-R, o processo industrial utiliza recursos naturais e energia e devolve para natureza os resíduos.

G-R defende que os recursos naturais e energia devem ser utilizados com parcimônia, sob pena de prejudicar as futuras gerações.

As análises devem ser realizadas utilizando-se do paradigma sistêmico ou ecológico. Como se trata de Ecológia a questão é atinente ao planejamento ambiental.

Por isso, as leis ambientais são enunciadas em termos de Políticas (Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional dos Recursos Hídricos...).

O planejamento e a gestão no caso em questão (recursos hídricos) da SABESP só podem ser realizados pelo órgão público, daí por que a privatização é desaconselhada. A política nacional dos recursos hídricos vem demonstrar a inviabilidade do particular assumir a titularidade do planejamento e gestão dos recursos hídricos, haja vista que a plataforma de planejamento é a bacia hidrográfica, que possui o comitê de bacias que tem a função precípua de realizar a sua gestão.

A questão das metrópoles como a cidade de São Paulo pode se citar como exemplo. Para fazer frente a demanda por água, os mananciais fornecedores do precioso líquido estão cada vez mais distantes. Na recente crise hídrica, o sistema Cantareira teve que se abastecer de produto da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul.

Quando o Estado é responsável pelo planejamento e gestão, o problema pode ser resolvido com agilidade, como o foi nesse caso em comento.

Como no projeto de lei da privatização não está explicitada a forma em que se dará a privatização, pressuponho que o objeto desta será a DISTRIBUIÇÃO.

As etapas de captação e de tratamento de água ainda ficará a cargo do Estado. Exatamente o que ocorreu no sistema elétrico, em que a geração e a transmissão ficaram com o setor público, somente a distribuição foi privatizada. A responsável pela distribuição na Capital- a ENEL- tem sido questionada pelos péssimos serviços.

Voltando a questão da água, tem-se o ciclo hidrológico (figura abaixo) para sua produção.

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A gestão dos recursos hídricos é para evitar a deformação do ciclo hidrológico normal. É o que estamos vivenciando atualmente, com as mudanças climáticas, em que a devastação do bioma amazônico tem influência no regime de chuvas da região Sudeste.

Assim, as ações para preservação do manancial hídrico trata-se de problema ecossistêmico, cujo planejamento só pode ser realizado pelo órgão público.

Desta feita, o ônus fica sociedade e o bônus para a empresa detentora do serviço.

A SABESP como empresa lucrativa, deveria empregar os lucros para financiar ações mitigadoras da degradação ambiental.

Afinal, a missão da SABESP não é gerar lucros. Pelo contrário, oferecer serviço de qualidade ao povo paulista.     Diversas metrópoles no mundo que privatizaram o saneamento e a distribuição de energia, estão revendo esta posição reestatizando esses serviços. Todo mundo está ciente de que a produção de água se encontra umbilicalmente ligada a evitar a deformação do ciclo hidrológico, que implica na preservação dos elementos constituintes deste referido ciclo.

Assim, a questão não pode se resumir ao serviço de distribuição da água e serviço de esgoto. O problema se insere na questão ambiental.

Essa visão ecossistêmica é adotada pela ONU, que instituiu esta década (2021-2030) como a década da restauração dos ecossistemas.

Jorge Caldeira se uniu a Júlia Marisa Sekula e Luana Shabib para escreverem uma magistral obra-Brasil, Paraíso Restaurável-, que assim se posicionam:

“O mundo está mudando depressa. Os alicerces de um futuro mais saudável, limpo e próspero estão sendo construídos. Neste contexto, o Brasil, por suas potencialidades naturais, pode assumir uma posição de enorme destaque. Esta é a oportunidade histórica que não podemos perder. (...)

(...) Tudo para mostrar um novo potencial, aquele em que a natureza preservada está no centro da criação de valor econômico. Um mundo no qual o Brasil é o Paraíso Restaurável por excelência.”  

Concluindo, não há como se discutir a questão da água sem se levar em conta a questão ambiental.