Fórum responde editorial do Estadão

Em 10/6, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um editorial bastante agressivo contra as universidades estaduais paulistas, com argumentos distorcidos e conservadores.

A coordenação do Fórum das Seis elaborou artigo em resposta ao jornal, não publicado até o momento.
A seguir, confira ambos os textos. A leitura é interessante, também, para entender melhor aspectos da história que determinam o modelo de financiamento em vigor, seus limites e perspectivas. 

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O editorial do Estadão
O reajuste nas universidades

Para cortar gastos com folha de pagamento, a USP lançou um Plano de Incentivo à Redução de Jornada, destinado aos servidores. A ideia é diminuir a jornada de 40 para 30 horas semanais, com redução proporcional nos vencimentos

Pressionadas pela queda na arrecadação do ICMS, de cuja receita anual têm direito a uma quota de 9,75%, as três universidades públicas paulistas – USP, Unicamp e Unesp – optaram por não conceder reajuste salarial em 2017. Além disso, para cortar gastos com folha de pagamento, a USP lançou um Plano de Incentivo à Redução de Jornada, destinado aos servidores. A ideia é diminuir a jornada de 40 para 30 horas semanais, com redução proporcional nos vencimentos.

Em nota, os reitores alegaram que a concessão de reajuste salarial em 2017 comprometeria o orçamento das universidades públicas estaduais, cujas reservas técnicas estão no limite. Só a folha de pagamento da USP consumiu, no primeiro semestre de 2016, 105,7% dos recursos que lhe foram repassados. Entre janeiro e maio de 2017, a USP, a Unicamp e a Unesp já receberam R$ 3,67 bilhões, mas gastaram R$ 3,69 bilhões com folha de pagamento. Em igual período de 2016, as três instituições gastaram com salários 9,9% a mais do que os valores que receberam. Ainda assim, concederam um reajuste de 3%, pago com recursos das reservas técnicas.

À sensatez dos reitores das universidades públicas paulistas opõe-se o irrealismo do chamado Fórum das Seis, integrado pelas entidades que defendem os interesses de professores e servidores. Alegando que “a crise da universidade pública não pode recair nas costas do trabalhador”, as entidades exigem, entre outras reivindicações absurdas, reposição da inflação de acordo com o índice de custo de vida do Dieese, isonomia nos valores do auxílio-alimentação e auxílio-refeição e sua incorporação aos salários não só dos funcionários ativos, mas também dos aposentados. Querem, ainda, uma emenda na Constituição do Estado, com o objetivo de estabelecer que o teto salarial na administração pública paulista seja fixado em 90,25% do subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal. E pedem que a quota da receita do ICMS destinada à USP, à Unicamp e à Unesp passe de 9,75% para 11,6%.

Essas pretensões irrealistas explicam por que as universidades públicas paulistas estão oscilando nos rankings internacionais de qualidade acadêmica e científica. Por causa de concessões absurdas feitas no passado por reitores que se submeteram a pressões corporativas, as três instituições encontram-se com obras paralisadas, contratações de professores suspensas e contratos de terceirização dos serviços de segurança e limpeza sendo revistos. Isso compromete projetos pedagógicos, deteriora as condições de trabalho e prejudica as atividades de pesquisa e extensão, deixando as universidades sem condição de cumprir as funções que lhes foram atribuídas por seus fundadores.

Por causa dos excessos de concessões do passado, a partir de 2015 as autoridades fazendárias deixaram claro que, se a Assembleia aprovasse o aumento da quota do ICMS destinada às universidades, o governo não teria como investir em serviços essenciais nas áreas de saúde, transporte e segurança. Também afirmaram que, em vez de pedir mais dinheiro ao Legislativo e ao Executivo, eles deveriam melhorar a qualidade de gestão de suas máquinas burocráticas. A mensagem foi de que os recursos são finitos e as universidades públicas precisam exercer com eficiência a autonomia administrativa que têm, além de buscar novas fontes de receitas, como ocorre com as mais conceituadas universidades mundiais.

Com a proposta de reajuste zero e as medidas que estão sendo tomadas para reduzir o quadro de pessoal, os reitores parecem ter entendido a mensagem. Já as entidades de servidores e professores continuam com o discurso de sempre, opondo-se à busca de parcerias com a iniciativa privada, resistindo a avaliações de desempenho e prometendo invasões e greves por tempo indeterminado. Isso ficou evidente no término de recente reunião do Conselho Universitário da USP, quando um diretor da Associação de Docentes da USP (Adusp) afirmou que a única resposta ao reajuste zero é a paralisia de atividades acadêmicas e administrativas.

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O artigo do Fórum das Seis
A crise de financiamento do sistema público de ensino superior paulista

O editorial “O reajuste nas universidades” (O Estado de S. Paulo, 10/6/2017) contém afirmações errôneas e desconhecimento da realidade e da importância da Unesp, Unicamp e USP para o estado e o país. Na falta de argumentos, opta por agredir a comunidade universitária.

Se vamos falar de financiamento destas instituições, o primeiro ponto é conhecer minimamente sua história. Quando o governador Quércia publicou o Decreto nº 29.598, de 2/2/1989, as universidades estaduais paulistas adquiriram autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, submetendo-se ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, conforme disposto no artigo 207 da Constituição de 1988. Esse decreto também estabelecia que seriam custeadas pelo percentual global de 8,4% da arrecadação do ICMS - Quota Parte do Estado (ICMS-QPE) no mês de referência. No entanto, segundo avaliação feita pelo Prof. Paulo Renato, reitor da Unicamp à época, as universidades recebiam até então o correspondente a cerca de 11,6% do ICMS-QPE. Assim, o exercício da autonomia universitária começava com uma diminuição substancial dos recursos a elas destinados. 

Em 1992, por pressão da comunidade universitária, liderada pelo Fórum das Seis – que congrega as entidades sindicais e estudantis da Unesp, Unicamp, USP e Centro Paula Souza – a Assembleia Legislativa aprovou o aumento da dotação para 9% do ICMS-QPE. Em 1994, esse índice foi elevado para os atuais 9,57%, passando a valer em 1995. 

Portanto, ao reivindicar o percentual de 11,6% do total do produto do ICMS-QPE para as universidades, o Fórum das Seis apenas pleiteia que elas tenham a mesma dotação vigente antes do advento da autonomia.

Ocorre que, nos anos 2000, houve um processo de expansão bastante expressivo, com a criação de novos campi e novos cursos, inclusive nas unidades universitárias já consolidadas. O número de estudantes de graduação, por exemplo, saltou de 98.367 em 1995 para 189.965 em 2016. Já os recursos continuam os mesmos, levando a estrutura a diminuir, em vez de aumentar: o total de funcionários caiu de 31.704 em 1995 para 29.494 em 2016, enquanto o de docentesestacionou (10.812 em 1995 e 11.655 em 2016). Embora na época das expansões o governo tenha assinado compromissos oficiais – que trazem a rubrica do então secretário de Ciência e Tecnologia, João Carlos de Souza Meirelles – de concessão de mais recursos perenes para as universidades, não os cumpriu.

Muito pelo contrário, em vez de ampliar, o governo estadual reduz os recursos das universidades. Senão, vejamos:

Antes de calcular o repasse dos 9,57% do ICMS-QPE às universidades, o governo retira do total arrecadado (que deve ser a base de cálculo) itens como recursos destinados a programas de Habitação, multas, juros de mora e dívida ativa. De 2014 a 2016, por exemplo, o prejuízo das universidades com esse procedimento foi de cerca de R$ 900 milhões. É importante ressaltar que nenhum destes descontos na base de cálculo ocorre quando são calculados os 25% do ICMS-QPM, destinados aos municípios paulistas.

Outra distorção é o fato de que as universidades pagam integralmente seus aposentados e pensionistas, inclusive arcando com a insuficiência financeira, definida no Artigo 27 da LC 1.010/2007, que criou a SPPREV, como “a diferença entre o valor total da folha de pagamento dos benefícios previdenciários e o valor total das contribuições previdenciárias dos servidores”. Este mesmo artigo estabelece que “o Estado de São Paulo é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras”.

Atualmente, essa insuficiência financeira corresponde, em média, a aproximadamente 19,58% dos recursos oriundos do ICMS-QPE, repassados pelo governo para Unesp, Unicamp e USP, com um perfil de crescimento que, segundo prognósticos feitos a partir dos dados atuais, deverá alcançar um índice superior a 30% em 2026. 

Em suma, se o governo Alckmin seguisse a lei – repassando os 9,57% do ICMS-QPE sobre o total do produto arrecadado e arcando com a insuficiência financeira, conforme exige a Lei 1.010/2007 – o quadro financeiro das universidades estaduais paulistas, instituições que respondem por metade da produção científica nacional, seria menos grave. 

E não aceitamos o discurso – repetido pelo referido editorial – de que a ampliação de recursos para as universidades impediria o governo de “investir em serviços essenciais nas áreas de saúde, transporte e segurança”. Fosse essa a questão, o governo não concederia vultosos volumes em isenções fiscais: o correspondente a 11% do orçamento paulista (R$ 14 bilhões) em 2017, e a 11,2% em 2018 (R$ 15 bilhões), conforme previsto em sua proposta de LDO enviada à Assembleia Legislativa.

Por fim, é preciso lembrar que, após manterem-se omissos nos últimos anos, só mais recentemente os reitores parecem ter se dado conta da gravidade da situação e passaram a defender a necessidade de ampliação de recursos para as universidades paulistas. É deles a apresentação de uma emenda à LDO-2018, propondo a ampliação do repasse para 9,95% do total do produto do ICMS-QPE.

Ao contrário do que afirma o editorial do Estadão, o que “compromete projetos pedagógicos, deteriora as condições de trabalho e prejudica as atividades de pesquisa e extensão” é a asfixia financeira e a visão estreita frente às necessidades do desenvolvimento do estado de São Paulo e do Brasil. 

Um dos aspectos mais perversos desta situação é a prática dos reitores de atenuar a crise de financiamento das universidades com parte dos recursos da massa salarial. Somente em 2016 e 2017, a não reposição da inflação corroeu o poder aquisitivo de servidores técnico-administrativos e docentes da USP e da Unicamp em cerca de 12%, e da Unesp em aproximadamente 15%. 
Em tempo: o Fórum das Seis considera que a carreira dos trabalhadores das universidades públicas paulistas deve ser uma prerrogativa de estado – e não de contingências ocasionais dos eventuais governantes, como ocorre hoje – tendo salvaguardada a integridade da progressão estabelecida quando da contratação desses profissionais. Por isso, defende o atrelamento aos vencimentos estabelecidos pela legislação federal. 

Fórum das Seis Entidades